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REsistência

[...]"Ficar monotamente sentados diante da tela anestesia a sensibilidade, torna a mente lerda, prejudica a alma.
Os sentidos do ser humano estão se embotando, exigindo cada vez mais intensidade, como acontece com os surdos.  Não vemos o que não tem a luz da tela, nem ouvimos o que não vem carregado de decibéis, nem sentimos perfumes. Já nem as flores os têm.  [...]
O homem está se acostumando a aceitar passivamente uma constante invasão sensorial. E essa atitude passiva acaba sendo uma invasão mental, uma verdadeira escravidão.
Mas há um jeito de contribuir para a proteção da humanidade, e é não se conformar, não assistir com indiferença ao desaparecimento da infinita riqueza que forma o universo que nos rodeia, com suas cores, sons e perfumes. [...] Hoje tudo vem embalado, e as compras já começam a ser feitas pelo computador, por meio desta tela que logo será a janela por onde os homens sentirão a vida. Indiferente e intocável a mais não poder.
Não há outro modo de atingir a eternidade, a não ser aprofundando-Se no instante, nem outra forma de chegar à universalidade que não através da própria circunstância: o aqui e o agora.
Mas como?[...]
Se nos tornarmos incapazes de criar um ambiente de beleza no pequeno mundo ao nosso redor e só atentarmos às razões do trabalho, muitas vezes desumanizado e competitivo, como poderemos resistir? [...]
O homem se expressa para chegar aos outros, para sair do cativeiro de sua solidão [...]
São muito poucas as horas livres que o trabalho nos deixa. Apenas um rápido café da manhã que costumamos tomar já pensando nos problemas do escritório, porque vivemos de tal maneira como produtores que estamos perdendo a capacidade de parar por alguns minutos diante de uma xícara de café, ou de um mate compartilhado.  E a volta para casa, a hora de nos reunirmos com os amigos ou a família, ou de ficarmos em silêncio com a natureza nessa misteriosa hora do entardecer que lembra os quadros de Millet, quantas vezes perdemos esses instantes prostrados diante da tela! Concentrados em algum canal, ou fazendo zapping , parece que obtemos um prazer ou uma beleza que já não descobrimos partilhando um ensopado, ou um copo de vinho, ou um caldo fumegante que nos vincule a um amigo numa noite qualquer.
Quando somos sensíveis, quando nossos poros não estão tapados pelas implacáveis camadas, a proximidade da presença humana nos sacode, nos anima, entendemos que é o outro que sempre nos salva. E se chegamos à idade que temos é porque outros foram salvando nossa vida, incessantemente. Com a idade que tenho hoje, posso dizer, dolorosamente, que toda vez que perdemos um encontro humano, algo se atrofiou em nós, ou se quebrou. Muitas vezes somos incapazes de um encontro genuíno porque só reconhecemos os outros na medida em que definem nosso ser e nosso modo de sentir, ou que são convenientes aos nossos projetos. Não podemos deter a marcha para desfrutar de um encontro porque estamos cheios de trabalho, de problemas para resolver, de ambições. E porque a magnitude da cidade nos ultrapassa.  Então, o outro ser humano não chega a nós, não o vemos. Está mais ao nosso alcance um desconhecido com quem batemos papo pelo computador. Na rua, nas lojas, nas infinitas filas e guichês, sabemos -abstratamente- que estamos lidando com seres humanos, mas na realidade tratamos os demais como outros tantos servidores informáticos ou funcionais. Não vivemos essa relação de modo afetivo; é como se estivéssemos cobertos por uma camada de proteção contra os fatos humanos "desviantes" da atenção. Os outros nos atrapalham, nos fazem perder tempo.  O que deixa  o homem terrivelmente sozinho, como se em meio a tanta gente, ou por isso mesmo, se espalhasse o autismo.
Vi em algum filme que a alienação e a solidão têm chegado a tal ponto que as pessoas tentam se amar por meio de uma tela. Isso sem falar nessas mascotes artificiais inventadas pelos japoneses, nem sei como se chamam, que a pessoa cuida como se tivesse vida, porque manifestam "sentimentos" e é preciso falar com elas. Quanto lixo! E como é trágico pensar que essa é a maneira que muitas pessoas têm de expressar seu afeto! Uma brincadeira sinistra, quando há tantas crianças jogadas pelo mundo é tanto nobre animal a caminho da extinção.
Ainda é tempo de reverter esse abandono e esse massacre. Essa convicção deve nos possuir até o compromisso. [...]"

Ernesto Sabato

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